Um choro amargo da alma faminta

No mergulho pela nova geografia da fome, o choro de Marta soou como um baque. Diferentemente de todas as lágrimas que se viu na jornada pelos lares famintos do Nordeste árido e seco de esperança. Não era um choro de humilhação, de resignação, de tristeza por não ter o que comer.

No mergulho pela nova geografia da fome, o choro de Marta soou como um baque. Diferentemente de todas as lágrimas que se viu na jornada pelos lares famintos do Nordeste árido e seco de esperança. Não era um choro de humilhação, de resignação, de tristeza por não ter o que comer. De quem aceita o destino porque assim Deus quis. Mas um choro-explosão, um choro-revolta, um choro de indignação e de vergonha porque assim o homem quis. Marta Maria da Silva, 28 anos, é analfabeta e parece ter a exata consciência de que o flagelo da fome, imposto a ela e aos seus três filhos, não é obra divina. E sim humana. Coisa do homem contra o homem. E isso ela se recusa a aceitar.

Marta vive num povoado da Paraíba conhecido como Vila dos Costas, município sertanejo de Natuba, mas, na falta de outro nome, poderia muito bem chamar-se Fim do Mundo. Só para chegar à sede da cidade, foram 18 quilômetros de estrada de barro esburacada que consumiram mais de três horas de viagem. Famílias que vivem como refugiadas. As terras onde moravam foram inundadas pela barragem de Acauã. O governo levantou as casas no endereço novo, mas se esqueceu de levar dignidade para a nova morada. Ali, isolada do mundo, Marta passa fome em silêncio.

Um silêncio que foi quebrado pelo choro incontido. Quando a reportagem pediu licença para conhecer sua cozinha, descobriu que no armário de duas portas tudo o que tinha era resto. Restos de fuba, de sal e um pacote aberto de açúcar. O arroz e o feijão tinham acabado há uma semana. O fogo a lenha estava apagado e as panelas, vazias. Era perto de meio-dia e Marta ainda não tinha comido nada. Nem os vizinhos, acostumados à privação, sabiam do seu desespero. “Ela não pede nada a ninguém. Sofre sozinha no seu canto. Cuida dos filhos e ainda toma conta de dois sobrinhos”, emenda uma amiga. Para Marta, pedir é humilhação.

Justamente pelo seu jeito discreto, quase cabreiro, o choro impressiona. A conversa já tinha se encerrado quando ela explode em seu desespero. Começa baixinho, até não segurar e desabar num pranto que só encontra amparo no filho de 2 anos. Marta abraça o menino, usa as mãos dele para enxugar suas lágrimas. Tenta, mas não consegue acalmar-se. “Ninguém merece passar por isso. Ninguém”, repete, antes de esconder-se no quarto, para chorar mais alto e sozinha.

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