Organizado por Antônio Fernando Gouvêa, este livro, apresentado agora em segunda edição, se propõe contribuir com a prática político-pedagógica de todos e todas que acreditam, junto com Paulo Freire, que se a educação sozinha não muda o mundo, tão pouco sem ela o mundo muda. Fundamentalmente, tal contribuição é destinada a educadores e educadoras populares, que têm buscado desenvolver um trabalho de base, com comunidades excluídas de qualquer forma de organização ou direito social, buscando tirá-las do isolamento em que se encontram nas ocupações irregulares e bairros pobres da periferia das cidades, sujeitas a todo tipo de exploração e, reconstruindo sua auto-estima, dar o primeiro passo para sua libertação.
Apresentação
Se vivêssemos num país justo, solidário e democrático, portanto, sem desigualdades sociais, haveríamos de ter dois tipos de educação? Uma escola formal, oficial, transmissora dos conhecimentos científi cos e outra informal, popular, fundada no diálogo, na problematização, no desvelamento da realidade?
Sabendo que a origem histórica da escola, na antiguidade clássica, era o lugar do “ócio” – aprendizado das artes do mando – para os fi lhos da classe dominante e que, no sistema capitalista se fez para ser formadora de mão-de-obra, a escola poderia se constituir no espaço de compreensão da vida, do funcionamento da sociedade e da apreensão e troca de todos os saberes práticos e teóricos necessários a uma vida humana digna?
O que seria a universidade brasileira, na perspectiva de um projeto popular de nação? Para que interesses, objetivos, fi nalidades, seriam formados médicos, engenheiros, advogados, sociólogos, historiadores, químicos, biólogos?
Como se estabeleceria a relação entre educação e trabalho ou entre trabalho e formação humana, numa sociedade onde a exploração, a opressão e todas as formas de discriminação tivessem sido banidas?
Imagine o que o desenvolvimento científi co, resultante de uma relação entre a educação e o trabalho, entendida como práxis social; entre o ensino, a pesquisa e a extensão seria capaz de proporcionar à população de um país justo e solidário!
O que esta população, cujas necessidades básicas seriam supridas em poucas horas de trabalho, haveria de fazer com o seu tempo livre?
Quanta criação artística e cultural, novas descobertas científi cas nos diferentes campos de conhecimento, valores, desenvolvimento de relações humanas, poesia, jardins, amizades sinceras, cuidado com as pessoas e com o mundo, poderiam resultar desse tempo livre!
Precisamos pensar sobre isto. Precisamos reaprender a anunciar o nosso sonho humanizador, enquanto denunciamos um presente desumanizador. Mais que isto, precisamos construir dia-a-dia o nosso sonho coletivo, porque ele está inscrito como possibilidade histórica. Não está remetido ao transcendental.
A revolução não se faz num momento – nem por mágica, nem por decreto, nem por sublevação –, a revolução se constrói cotidianamente, em todos os espaços e tempos, onde valores de solidariedade possam ser cultivados. Onde a competição, o individualismo, o egoísmo, o autoritarismo e tudo que destrói a possibilidade de vida, possam ser combatidos. A revolução não é a tomada de poder. É a transformação radical das pessoas e das estruturas e, por isso, é permanente, não se esgota num instante histórico.
A educação, como pratica social, pode manter e ajudar a fortalecer as estruturas injustas, mas também pode, desde já, ter uma finalidade humanizadora, dentro e fora da escola. Muitas administrações populares ousaram trazer para o sistema ofi cial de ensino, as práticas educativas que têm sido historicamente classifi cadas como informais e politizadoras.
E, Paulo Freire, deu uma importante contribuição a isto. Sua obra é extensa e está disponível para todos e todas que querem fazer da educação, uma prática social transformadora da realidade e, portanto, revolucionária.
Este livro, que ora apresentamos ao público – militantes políticos, educadores populares, professores, estudantes, agentes pastorais, trabalhadores sociais – mostra, em cinco módulos de oito horas cada, como é possível construir uma prática pedagógica dialógica, sem deixar de lado os conhecimentos científi cos. Ao contrário, mostra como é possível, através do diálogo, superar os limites de um conhecimento de experiência feito e de um conhecimento abstrato, acadêmico, para encontrarem-se – educador e educando, liderança e base, dirigente e povo – na apreensão e construção de um conhecimento científico vivo, concreto, pleno de sentido.
O professor Antonio Fernando Gouvêa da Silva, levando Paulo Freire para a academia provou, através de sua tese de doutorado, que o ponto de partida do currículo escolar, pode sim ser a realidade concreta, onde os educandos e comunidade estão inseridos. Ora, se a realidade concreta pode ser o ponto de partida para a produção do conhecimento escolar, tanto mais ela deve sê-lo para a prática pedagógica dos Movimentos Sociais.
Coisa que, infelizmente, ocorre com muita clareza nos discursos, mas que se esvazia de prática. E não porque os militantes dos movimentos sociais sejam ruins, mas porque não compreendem o que Paulo Freire entende por realidade concreta.
“Para muitos de nós, a realidade concreta de uma certa área se reduz a um conjunto de dados materiais ou de fatos cuja existência ou não, de nosso ponto de vista, importa constatar. Para mim, a realidade concreta é algo mais que fatos ou dados tomados mais ou menos em si mesmos. Ela é todos esses fatos e todos esses dados e mais a percepção que deles esteja tendo a população envolvida. Assim, a realidade concreta se dá a mim na relação dialética entre objetividade e subjetividade”1 .
Gouvêa, propondo reflexões a partir da leitura de fragmentos de textos de Paulo Freire e outros autores, exercícios práticos na elaboração de programas a serem discutidos em sala de aula ou nos Movimentos Sociais, em comunidades e grupos de base, nos oferece neste livro, uma verdadeira “oficina” da pedagogia freireana ou de metodologia de trabalho de base. A Oficina é organizada/dirigida à educadores populares, a fi m de prepararem-se para o trabalho com comunidades e grupos específi cos. Cada um dos módulos se desdobram em três momentos fundamentais: a problematização inicial (que permite expor e avaliar as práticas pedagógicas tradicionalmente desenvolvidas); o aprofundamento téorico (estudo e refl exão das práticas desenvolvidas à luz da teoria freireana e outras de natureza emancipadora); o planejamento de ações (o que e como fazer o trabalho com comunidades e grupos).
Às vezes, tentando mostrar o movimento resultante das relações entre conhecimento popular e conhecimento acadêmico, entre contexto e texto, entre realidade objetiva e sua explicação subjetiva, o autor elabora e apresenta gráfi cos que, num plano físico, não conseguem dizer da riqueza e possibilidades que a educação dialógica encerra.
Mas, com disciplina na leitura e organização do pensamento, o leitor vai, aos poucos, descobrind
o e apreendendo a trama pedagógica que transforma educador e educando em sujeitos do processo educativo. Dotados de saberes diferentes, porém não inferiores ou superiores uns em relação aos outros.
Se o ponto de partida da educação libertadora, fundada no diálogo, é a realidade concreta e esta, nas palavras de Paulo Freire, são os dados objetivos, mais a compreensão que os sujeitos têm dela, é preciso ouvir esses sujeitos. É preciso “organizar a escuta” das populações inseridas na realidade a ser transformada. A escuta, nos trará as “falas significativas” da população, explicitando suas contradições e, portanto, os “temas geradores” de diálogo. Assim, se não houver escuta, não haverá diálogo e nossa ação se dará sobre ou para e não com ela. Conseqüentemente não haverá libertação, nem transformação da realidade.
“É preciso, por isso, deixar claro que, no domínio das estruturas sócio-econômicas, o conhecimento mais crítico da realidade, que adquirimos através de seu desvelamento, não opera, por si só, a mudança da realidade.
[…]
É por isso que, alcançar a compreensão mais crítica da situação de opressão não liberta ainda os oprimidos. Ao desvelá-la, contudo, dão um passo para superá-la desde que se engagem na luta política pela transformação das condições concretas em que se dá a opressão. […] no domínio das estruturas sócio-econômicas, a percepção crítica da trama, apesar de indispensável, não basta para mudar os dados do problema. Como não basta ao operário ter na cabeça a idéia do objeto que quer produzir. É preciso fazê-lo.
A esperança de produzir o objeto é tão fundamental ao operário quão indispensável é a esperança de refazer o mundo na luta dos oprimidos e das oprimidas. Enquanto prática desveladora, gnosiológica, a educação sozinha, porém, não faz a transformação do mundo, mas esta a implica”2.
Este livro, apresentado agora em segunda edição, se propõe contribuir com a prática político-pedagógica de todos e todas que acreditam, junto com Paulo Freire, que se a educação sozinha não muda o mundo, tão pouco sem ela o mundo muda. Fundamentalmente, tal contribuição é destinada a educadores e educadoras populares, que têm buscado desenvolver um trabalho de base, com comunidades excluídas de qualquer forma de organização ou direito social, buscando tirá-las do isolamento em que se encontram nas ocupações irregulares e bairros pobres da periferia das cidades, sujeitas a todo tipo de exploração e, reconstruindo sua auto-estima, dar o primeiro passo para sua libertação.
O livro está organizado de forma a trazer no início, um texto introdutório sobre a pedagogia freireana e a práxis da educação popular. A seguir, apresenta na forma de quadros, uma síntese da oficina como um todo, organizada em cinco momentos fundamentais que se desdobram em outros, com propostas de atividades, leituras e refl exões. Nesta segunda edição, incluímos as sínteses das atividades de campo de todas as oficinas realizadas desde a publicação da primeira edição e um texto da professora Guadalupe.
Por fim, umas considerações finais a respeito do uso prático deste material.
Registramos, finalmente, um agradecimento ao professor Gouvêa pela generosidade e compromisso social demonstrados não apenas pela autorização desta publicação, mas também por sua disponibilidade em compartilhar conosco seus achados teórico-práticos, prestando, a título de militância, assessorias em vários momentos em que foi chamado pelo Centro de Formação Milton Santos – Lorenzo Millani ou pelo CEFURIA. Bem como, agradecemos a professora Maria de Guadalupe Menezes pela disponibilidade e dedicação demonstradas.
1 – FREIRE, Paulo. Criando métodos de pesquisa alternativa: aprendendo a fazê-la melhor através da ação. In: BRANDÃO, Carlos Rodrigues (Org.). Pesquisa participantes. 8ª ed. São Paulo : Brasiliense, 2001, p. 35.
2 – FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 6ª ed. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1999, p. 32.
Livro 1 da Série: Metodologia e Sistematização de Experiências Coletivas Populares
Publicação: Editora Gráfica Popular
CEFURIA – www.cefuria.org.br
1ª edição: Abril de 2005.
2ª edição revisada e complementada: Setembro de 2007.
Parabéns o material disponibilizado.
Ele é muito rico e últil para todos aqueles que desejam conhecer mais sobre a Educação Popular.
Que possamos fazer uso da informação para construir conhecimento e ações a favor de uma educação que promova a inclusão e emancipação das camadas populares.
Mary Jane Araújo de Lima
Manaus/Am
Parabéns Gouveia!
Muito bom te encontrar na rede. Quero ouvir tua fala em Santa Cruz do Sul, no final do mês.
Júlia de Souza
PROFESSOR SUAS PALESTRAS EM PORTO ALEGRE NO MÊS NOVEMBRO FORAM ALÉM DA EXPECTATIVA . PARABÉNS ! ESTOU UTILIZANDO E MUITO O MATERIAL APRESENTADO , OBRIGADA.
A EDUCAÇÃO POPULAR SEM DUVIDA É DE GRANDE IMPORTÂNCIA PARA A INCLUSÃO E ESCLARECIMENTO DOS INDIVÍDUOS DE UMA SOCIEDADE INJUSTA E EXCLUDENTE